Contoterapia: quando a história se torna linguagem viva
- Claudia Gomes
- 5 de jun.
- 3 min de leitura
Eu adoro ouvir e contar histórias. Mas não foi através dos livros que compreendi sua força transformadora, foi sim através da escuta. Escutar histórias de mulheres, suas memórias silenciosas, suas palavras hesitantes, suas pausas cheias de sentido. Foi assim que percebi que a história, quando realmente ouvida, começa a agir por dentro.

A Contoterapia não é uma técnica que se ensina em manuais. É uma abordagem que se revela na prática, na escuta do outro, no cuidado com a palavra. Ela nasce do encontro entre o vivido e o simbólico, entre a biografia e a criação. E é nesse campo de entrelaçamento que meu trabalho acontece.
Muitas pessoas me perguntam: você conta histórias nas sessões? Usa contos de fadas? A resposta é: sim, às vezes, quando isso faz sentido. Mas meu trabalho vai além da contação de histórias. O coração da Contoterapia que pratico está na criação de contos biográficos e contos terapêuticos, escritos por mim a partir da escuta profunda das histórias de vida das mulheres que acompanho.
Essa escrita não é uma transcrição. É uma tradução simbólica. Quando escrevo um conto biográfico, mergulho nas memórias que me foram confiadas, da infância, ancestralidade, relações e passagens marcantes. Não se trata de recontar a vida tal como ela aconteceu, mas de extrair dela um núcleo poético, sensível, muitas vezes invisível à própria pessoa. É nesse ponto que o conto biográfico se torna um espelho delicado, onde ela pode se ver de um jeito novo, mais inteiro.
Já o conto terapêutico tem outra escuta. Ele nasce da dor atual, da travessia, do conflito presente. É como se trouxesse uma linguagem para aquilo que ainda não encontrou palavras. A mulher chega com um nó, uma dúvida, um cansaço, uma inquietação. E a partir da escuta que se constrói entre nós, surge um conto que não explica nem resolve, mas oferece uma imagem simbólica que pode acompanhar seus passos.
Escrever esses contos é, para mim, um ato de escuta ativa. Enquanto escrevo, volto à voz da mulher, aos silêncios entre as frases, às imagens que surgiram nas entrelinhas. É como bordar com palavras aquilo que a alma me confiou em silêncio. E quando devolvo esse conto impresso, narrado em áudio, ou até mesmo acompanhado de uma pequena pintura ou arte simbólica, sinto que algo se encerra, ou, muitas vezes, começa.
Nos atendimentos individuais, esse processo se entrelaça com a Arteterapia, que amplia a experiência para além do verbal. Algumas histórias não chegam pela fala, mas pelas mãos. Uma colagem intuitiva, uma pintura espontânea, o bordado de uma palavra esquecida, tudo isso é linguagem. E quando essa linguagem encontra espaço para se expressar, algo se organiza internamente. O que estava fragmentado encontra forma.
Essa prática também está presente nos grupos e vivências que conduzo. Ali, trabalhamos em camadas: a memória, a escuta, o fazer simbólico. O que cada mulher leva para casa ao final de uma vivência não é apenas um objeto criativo, mas uma narrativa mais clara de si, elaborada com presença, tempo e significado.
Vivemos em uma época em que a pressa tomou o lugar da escuta. Somos atravessados por palavras o tempo todo, mas poucas delas realmente tocam. Uma era saturada de informação, mas empobrecida de experiência.
A Contoterapia, nesse contexto, é um gesto de desaceleração, um modo de habitar o tempo com mais inteireza. Não se trata de “resolver” nada. Trata-se de escutar. E confiar que, ao ser escutada, a história encontra seu próprio caminho de transformação.
A cada atendimento, reafirmo de que toda vida contém uma história que merece ser contada com beleza, com dignidade, com verdade. E que narrar essa história, de forma simbólica e artesanal, é uma maneira de reorganizar o que parecia sem forma, de iluminar aquilo que estava esquecido, e de fortalecer aquilo que pede passagem.

Contoterapia, para mim, é isso: um trabalho com histórias, mas também com tempo, com silêncio, com imagens, com sensações. É um trabalho com a escuta. E, sobretudo, com o respeito à jornada de cada mulher que me procura.
Um conto biográfico ou terapêutico não entrega respostas, ele devolve presença. Não finaliza o enredo, mas oferece imagem e linguagem ao que antes era apenas sensação. E, muitas vezes, é nesse reconhecimento sutil que a transformação começa: como quem acende uma pequena luz dentro de casa, ao final de um dia longo.
Porque quando a história se torna linguagem viva, ela segue caminhando com quem a escutou.
Com carinho,
Cláudia Gomes
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