Quando a arte chama, é a alma quem responde
- Claudia Gomes
- 17 de abr.
- 4 min de leitura
Sempre soube, mesmo antes de saber com palavras, que a arte tinha algo a dizer. Como se ela carregasse em suas formas, cores e texturas uma linguagem ancestral, mais antiga que o tempo, capaz de tocar o que está escondido no mais profundo do ser. Desde muito jovem, senti que criar não era um luxo, mas uma necessidade. Um modo de manter a inteireza num mundo que fragmenta.

Minha história com a arteterapia não começou com um diploma, mas com o corpo entregue ao gesto, com as mãos mergulhadas em tinta e terra, com a escuta atenta e compassiva nos círculos de mulheres. Desde 2009, quando dei início ao meu trabalho com grupos femininos, as artes expressivas já se faziam presentes como sopros intuitivos, como se algo mais antigo do que eu mesma soubesse o caminho. Pintávamos emoções sem nome, rasgávamos papéis com a força das entranhas, bordávamos saudades como quem recostura a pele. Cada encontro era um pequeno rito criativo, onde colagens se tornavam mapas internos, cartas simbólicas desenterravam vozes esquecidas, e as linhas dos bordados contavam histórias que o tempo tentou calar.
A arte surgia como um fio invisível, mas firme, que costurava cada palavra dita, cada silêncio respeitado, cada lágrima que caía com a delicadeza de um pigmento sobre papel molhado. Transformávamos dor em imagem, saudade em forma, esperança em gesto. E nesse fazer sensível, descobríamos que criar era uma forma de conversar com aquilo que mora no fundo da alma, e que, ao ser tocado, se transforma. A arteterapia, para mim, nasceu assim: no entrelaçar do simbólico e do sensível, no ritual cotidiano de escutar e expressar, no movimento silencioso das mãos que, sem saber, já sabiam.
Hoje, com mais maturidade e consciência da potência desse caminho, decidi voltar a mergulhar com profundidade nos estudos da arteterapia, me dedicando a uma formação sólida que amplia ainda mais meu campo de atuação criativa e terapêutica. Esse retorno aos fundamentos e às práticas contemporâneas da arteterapia tem me oferecido não apenas novas ferramentas, mas também um olhar mais refinado sobre a força transformadora da expressão simbólica e da escuta sensível.
Ao integrar esses saberes com a Contoterapia, campo no qual também venho me aprofundando, e expandindo meu atendimento de maneira mais estruturada. Unindo a delicadeza da arte à potência narrativa dos contos, oferecendo um acompanhamento terapêutico que é ao mesmo tempo intuitivo e fundamentado, poético e técnico, simbólico e profundamente humano.
Esse momento marca, para mim, a costura entre experiência e formação, entre o chamado interno e o aprimoramento externo. Ao unir minhas vivências como facilitadora com os estudos acadêmicos e profissionais, estou tecendo um caminho que honra a arte como instrumento de escuta, transformação e reconexão com o que é essencial, tanto em mim quanto nas mulheres que acompanho.
A arteterapia é uma abordagem terapêutica que utiliza recursos artísticos como linguagem de expressão e

investigação interna. Diferente da arte ensinada nas escolas, aqui o foco não está no resultado estético, mas no processo: na experiência sensível de criar, na relação com o material, na escuta simbólica do que emerge. A arte não é usada para distrair ou entreter, mas como uma via legítima de acessar emoções, integrar experiências, revelar conteúdos inconscientes, recontar histórias e acessar dimensões mais profundas do eu.
Num mundo marcado pela racionalidade excessiva, pela aceleração e pelo distanciamento do corpo, a arteterapia nos convida ao contrário: a desacelerar, a sentir, a olhar para dentro, a confiar na inteligência criativa que habita em cada ser humano. É por isso que ela ocupa um papel tão importante na sociedade contemporânea, como um espaço onde a saúde mental e emocional pode ser cultivada com sensibilidade e verdade.
Para as mulheres que vivem o climatério, esse chamado da arte ganha ainda mais potência. Nessa fase da vida em que tantas transformações se anunciam, físicas, emocionais, existenciais — a arteterapia pode ser uma grande aliada. Ela permite que a mulher dê forma aos seus sentimentos mais sutis, que acolha sua nova identidade com mais amorosidade, que encontre na criação um território fértil para renascer. Bordar o próprio ciclo, pintar suas fases, dançar a sabedoria do tempo… tudo isso pode se tornar ritual de travessia.
A arte, nesse contexto, é uma linguagem da alma madura. Uma forma de reencantar-se consigo mesma e com a vida.
E é exatamente nesse ponto que a ecoarteterapia se entrelaça ao meu caminho com tanta força. Meus estudos de ecologia profunda, meu cultivo com as ervas medicinais, a prática com geotintas feitas de terra, folhas e flores, minha convivência diária com os ciclos da natureza… tudo isso começou a se revelar como parte de uma arte que ultrapassa o ateliê: uma arte que brota do chão.
A ecoarteterapia é um desdobramento da arteterapia que integra a natureza como co-participante do processo criativo. Nessa abordagem, usamos materiais naturais, sementes, cascas, pigmentos, pedras, fibras, não apenas como ferramentas, mas como elementos simbólicos que nos reconectam com o planeta. Ao criar com elementos da terra, despertamos memórias arcaicas, cultivamos presença, e relembramos que somos parte de uma teia viva, pulsante e interdependente.
Mais do que isso: a ecoarteterapia nos oferece uma nova ética, uma arte que não separa o eu do mundo, que trata o solo com reverência, que valoriza o que é impermanente, cíclico, orgânico. Nesse contexto, criar é também um gesto de cuidado com a vida. Uma forma de educar o olhar para a beleza do simples, do inacabado, do natural.
Hoje, vejo que cada escolha, cada virada, cada pausa foi preparando o terreno para o que agora se apresenta com mais clareza: um caminho onde arte, natureza, feminino e narrativa se entrelaçam para oferecer não respostas prontas, mas espaços de escuta, expressão e transformação.
É nesse solo fértil que desejo continuar plantando: conduzindo encontros, oficinas, círculos e experiências onde mulheres possam tocar suas próprias águas profundas, através da arte, da palavra, do barro, do som, da história. Porque quando uma mulher se permite criar a partir do seu mundo interno, algo no mundo externo também muda.
E é nessa dança entre dentro e fora, entre corpo e paisagem, entre ancestralidade e invenção, que a arte segue me conduzindo. Não como um destino a alcançar, mas como um caminho para ser percorrido, com as mãos sujas de terra, o coração atento e o espírito rendido à beleza que emerge quando nos colocamos a serviço do que quer nascer.
Por Cláudia Gomes
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