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Refúgio de Cores e Palavras: como cuidar da vida criativa

Ao longo da vida, fui percebendo que a criatividade não é um talento raro que visita apenas alguns, é uma presença delicada que habita todos nós.


Mas, como um jardim, ela exige cuidado. Exige tempo. Exige escuta.


E o modo mais constante com que tenho cuidado da minha vida criativa é através de algo simples, íntimo e profundo: meu diário criativo.


Começou quando eu era pequena.

Primeiro, eram palavras e poesias escritas à mão, registrando sensações, observações, coisas miúdas do cotidiano.

Mais tarde vieram as colagens, os recortes de revistas, as imagens que se juntavam como quem sonha acordada.


Hoje, ele pulsa com aquarelas, desenhos, manchas, pequenos fragmentos daquilo que às vezes não consigo dizer, mas posso sentir e deixar escorrer no papel.

Meu diário criativo é um lugar de pouso e voo.

É um espaço onde posso existir sem pressa, sem meta, sem aprovação.

Nele, as estações do meu mundo interno encontram forma.

Ali dentro, entre linhas e cores, algo se aquieta. Algo floresce.

É por isso que costumo chamá-lo de outras formas também:

Diário de alma. Diário de voo. Diário de escuta.

Porque ele vai além da escrita.

Ele é o ninho onde minha criatividade repousa, renasce, se reinventa.


Vivemos num tempo onde o excesso de informação parece ter sufocado a nossa capacidade de contemplar.

Como diz Byung-Chul Han, filósofo que admiro profundamente, estamos vivendo uma crise narrativa: há muitas vozes, muitas telas, muitas versões… mas tão pouco silêncio. Tão pouca escuta. Tão pouca sabedoria.


A modernidade nos deu acesso a tudo, mas nos desvinculou da experiência.


E sem experiência, não há história.

E sem história, não há quem conte.

E sem quem conte… não há quem se escute.


A criatividade, para florescer, precisa de pausa.

Precisa de solo fértil, e o solo fértil da alma é o silêncio.

Não aquele silêncio vazio, mas o silêncio habitado. O silêncio onde as ideias se assentam. O silêncio que antecede o nascimento de uma imagem, de uma palavra, de uma intuição.



O diário criativo me ajuda a cultivar esse lugar.

Ele é minha casa interna em meio ao turbilhão.

Ele me ajuda a lembrar que a criatividade não mora na produtividade, mas na presença.


Que criar não é fazer bonito, é sentir verdadeiro.


Ao longo do tempo, descobri que manter um diário é mais do que um exercício criativo. É um gesto terapêutico.


É como conversar com uma parte de mim que só se revela quando estou sozinha, quando posso ser inteira.


A escritora Julia Cameron, no livro O Caminho do Artista, fala das “páginas matinais”, três páginas escritas logo ao acordar, sem censura, sem filtro.


Ela diz que essa escrita diária é como abrir uma torneira: as primeiras águas podem estar turvas, mas logo vem a clareza.


No meu caso, às vezes escrevo, às vezes desenho. Às vezes misturo tudo. O que importa é me permitir aparecer ali inteira, com minhas contradições, alegrias, lutos, desejos, devaneios.


Porque no diário, não há performance. Há liberdade.

Não há plateia. Há intimidade.

Não há certo ou errado. Há processo vivo.

É nesse espaço íntimo que reencontro minha voz não domesticada.

É ali que volto a brincar, com formas, palavras, cores.

Sem obrigação de acertar.

Com permissão para errar.

E, mais ainda, com permissão para simplesmente sentir.


Hoje, mais do que nunca, sinto que cuidar da vida criativa é um ato de autocuidado profundo.

É o modo como digo para mim mesma: “Você importa. Sua sensibilidade importa. Sua forma de ver o mundo merece um lugar para se expressar.”

E talvez por isso meu diário não seja apenas um caderno.

É um refúgio simbólico.

Um pequeno altar onde a alma pode descansar e criar.


Se você sente o chamado para cuidar da sua criatividade, deixo aqui algumas sugestões muito simples — mas cheias de potência:


Pequenas práticas para cuidar da sua vida criativa


•Escolha um caderno que te chame, e não precisa ser bonito nem caro. Apenas um espaço onde você possa se sentir à vontade para ser.


•Escreva sem censura, e comece com três páginas soltas, no estilo das “páginas matinais”. Escreva o que vier. Aos poucos, sua voz criativa vai se soltar.


•Desenhe mesmo sem saber desenhar. Rabisque, faça formas, invente criaturas, crie mapas internos. Tudo vale.


•Brinque com colagens. Junte imagens, palavras, símbolos. Deixe que o acaso revele sentidos.


•Crie pequenos rituais. Um chá antes de escrever, uma música suave ao fundo, uma vela acesa. A criatividade floresce em ambientes acolhedores.


•Desconecte-se por um tempo, mesmo que seja meia hora por dia. O silêncio longe das telas é alimento para a alma criadora.


•Nomeie seu diário com afeto, e chame-o como quiser: caderno de voo, diário de visões, mapa da alma. Dê-lhe um nome que crie vínculo.


Cuidar da vida criativa é também cuidar de quem somos quando ninguém está olhando.

É proteger a criança sensível, a mulher sonhadora, a anciã sábia que vive em nós.

É dar espaço para que a alma respire, e se expresse.


E talvez, entre uma palavra e outra,

entre uma pincelada e um silêncio,

você descubra que a sua criatividade não estava perdida.

Ela apenas esperava ser ouvida.



Com carinho, 

Cláudia 


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