AYURVASTRA — O tecido medicinal
- Claudia Gomes

- 2 de out.
- 3 min de leitura
Semana passada, encontrei uma palavra que nunca havia escutado, mesmo tendo estudado e praticado yoga e Ayurveda. Ayurvastra. A palavra é antiga, vinda do sânscrito. Ayur significa vida. Vastra significa roupa. Roupas da vida.

O que me impressiona é que nem mesmo quando visitei o sul da Índia, quando caminhei pelas ruas de Kerala, onde ainda se cultiva essa prática, ouvi menção a esse termo. Talvez tenha passado batido por mim. Talvez eu não estivesse pronta para compreender o alcance do seu significado. Foi só agora, ao me dedicar ao tingimento natural com mais afinco, que essa palavra veio ao meu encontro com o peso de algo que faz sentido.
Ayurvastra é o nome dado a uma prática tradicional que une a medicina ayurvédica à confecção de tecidos preparados com plantas medicinais. Trata-se da observação de que o que vestimos tem efeito direto sobre o nosso bem-estar. E não é difícil entender o porquê. A pele é o maior órgão do corpo humano. Por ela absorvemos muito mais do que imaginamos. Compostos químicos, resíduos de sabão, perfumes, cremes e, quando permitido, substâncias naturais presentes nas plantas.

Segundo o Ayurveda, cada planta carrega uma potência terapêutica. Ao ser preparada da forma correta, em decocções longas e cuidadosas, essa planta pode transferir suas propriedades para o tecido. E esse tecido, em contato contínuo com a pele, age como um tratamento sutil, mas eficaz. A roupa deixa de ser um adereço estético e passa a ser um elemento ativo no cuidado com o
corpo.
O processo começa pela escolha dos tecidos, que devem ser sempre naturais: algodão orgânico, linho, seda crua. Nada que tenha passado por acabamento industrial. Antes de serem tingidos, os tecidos são lavados com cinzas vegetais e limão, o que retira impurezas e permite uma melhor absorção dos princípios ativos. Até onde pesquisei, esse preparo é considerado indispensável, pois abre os poros da fibra e assegura que o extrato da planta possa penetrar e permanecer. Em seguida, os tecidos são mergulhados em banhos preparados com ervas como cúrcuma, nim, tulsi, manjistha, gengibre, e tantas outras já conhecidas por suas aplicações terapêuticas.
O tingimento é feito sem mordentes metálicos. Não se usa alumínio, ferro ou cobre. É um processo limpo, baseado apenas na troca entre planta, água quente e fibra vegetal. O resultado são cores suaves, muitas vezes instáveis, que refletem a natureza do que é vivo e não padronizado. O tecido ganha vida própria. E a roupa, uma função que vai além da proteção e da estética.
Esse modo de pensar o vestuário me fez refletir sobre o quanto, sem perceber, nos afastamos dos gestos mais básicos de atenção. Quase ninguém mais sabe de onde vem a roupa que usa. Não sabemos quem costurou, com quais materiais, sob quais condições. Vestimos tecidos sintéticos produzidos em larga escala, tratados com compostos químicos, tingidos com corantes artificiais que não dialogam com o corpo, apenas o cobrem.
Quando passei a estudar o ayurvastra, compreendi melhor o que me motivava a seguir o caminho do tingimento natural. Não é apenas um encantamento estético, embora as cores me fascinem. É uma necessidade de recuperar o vínculo com aquilo que me toca diretamente. E nada nos toca mais do que a roupa. Ela está sobre nossa pele o tempo inteiro. Dormimos com ela. Trabalhamos com ela. Suamos com ela. A roupa carrega, muitas vezes, mais histórias do que podemos nomear.

No Ateliê, venho tentando criar um espaço onde essa atenção possa ser cultivada. Não apenas com as plantas tintórias que crescem no jardim, mas com o cuidado de compreender o que estamos fazendo quando mergulhamos um tecido na panela, quando deixamos uma folha emprestar sua cor, quando estendemos o pano no varal para que o tempo se encarregue do resto.
Ayurvastra não é moda nem promessa. É uma prática de coerência. Uma maneira de olhar para o tecido como parte do processo de viver com mais consciência. É possível vestir algo que nos traga bem-estar. É possível plantar o que vamos tingir. É possível preparar nossos próprios tecidos e escolher, com intenção, aquilo que queremos deixar entrar pelo canal sensível da pele.
Não se trata de buscar pureza ou perfeição, mas de retomar o senso de escolha. De voltar a considerar o que vestimos como parte daquilo que somos. De cultivar o cuidado como algo que começa antes da roupa tocar o corpo. Começa no cultivo da planta, no preparo do extrato, na escolha do tecido, na forma como tudo isso é feito.
Talvez essa palavra só tenha me alcançado agora porque só agora estou disposta a ouvi-la de verdade. E talvez ela ainda leve tempo para ser compreendida em sua totalidade. Mas por ora, ela tem me ensinado algo essencial: aquilo que toca a pele atravessa a vida. E merece ser escolhido com atenção.
Com afeto,
Cláudia Gomes



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