Vida artesanal: colar os pedaços com as próprias mãos
- Claudia Gomes

- 12 de jun.
- 3 min de leitura
Faz pouco tempo que participei do curso introdutório de SoulCollage, e para ser bem honesta, fui meio sem saber por quê. Talvez por curiosidade, talvez porque as imagens sempre me chamaram, ou talvez porque algo dentro de mim já soubesse que eu precisava daquela experiência, mas ainda não tinha avisado a parte racional.
Achei que fosse encontrar mais uma técnica criativa. Mas não. Ali, entre recortes, silêncios e aquela cola que insiste em grudar nos dedos, algo se rearranjou em mim.
Fui ficando mais próxima de algo que eu não sabia nomear, mas que me fazia respirar mais devagar.
Como se colar aquelas imagens fosse, secretamente, me colar também.
O SoulCollage é uma prática terapêutica criada por Seena Frost, uma psicoterapeuta que compreendeu com ternura que há coisas dentro de nós que não se dizem em palavras.
A proposta é simples de explicar, mas difícil de medir: você seleciona imagens que te tocam, monta cartões e depois escuta o que eles revelam. Cada carta é como uma janela: para dentro e para além.
Ali cabem suas dores, suas alegrias, seus arquétipos, seus personagens internos e até aqueles pedaços seus que você pensava já ter esquecido.
No livro de Seena, encontrei uma passagem que me parou de verdade. Ela conta que ouviu, certa vez, de uma mulher sábia, a seguinte frase:
“A vida mais bonita é aquela feita à mão. Conscientemente construída com pedaços que você mesmo une. Não fabricada pelas pessoas, nem pela cultura.”

Quando li isso, algo se assentou. Como se a frase tivesse sido escrita para mim, ou por mim, em algum outro tempo.
De repente, tudo fez sentido: a forma como eu venho tentando viver nos últimos anos, minhas escolhas, minha recusa em aceitar certas pressas.
Essa necessidade profunda de tocar a vida com as próprias mãos.
De me envolver com o gesto, com o fazer, com o tempo da matéria.
Desde então, essa ideia me acompanha: viver de maneira artesanal.
E não falo apenas de criar arte, embora isso faça parte do caminho.
Falo de reformar aquela roupa antiga, em vez de comprar outra.
De bordar sobre um pequeno furo, ao invés de esconder.
De reaproveitar tecidos, colar papéis velhos, fazer cadernos à mão.
Falo do cuidado silencioso de preparar o próprio alimento,
de fazer um bolo sem pressa, só pelo prazer do perfume na casa.
Falo de cultivar um pequeno jardim de ervas, mesmo que seja numa lata na janela.
De ler livros físicos, com cheiro de papel e páginas que se dobram entre os dedos. (Nada contra o Kindle, claro, mas há um prazer antigo no virar da página, não há?)
Falo de contar histórias entre amigos ao redor de uma fogueira.
De fazer pão, de sentar no chão da sala, de comer com as mãos, de dividir o riso enquanto cozinha.
Falo também do que não é exatamente “fazer”, mas que é profundamente artesanal:
sentar no gramado e simplesmente contemplar os pássaros.
Escutar o vento.

Observar as nuvens sem destino.
Sair do ritmo da máquina. E lembrar que somos humanos.
Uma vida artesanal é aquela que se desliga, ainda que por instantes, do automático.
É uma vida com tempo de permanência.
Ela não precisa ser rural, nem bucólica, nem perfeita.
Ela só precisa ser sua. Montada aos poucos, com gestos pequenos, com escolhas conscientes.
Como quem borda um pedaço por dia, e vai costurando sentido em silêncio.
E no SoulCollage, com tesoura, imagem e presença, fui lembrada disso:
que posso escolher o que deixo entrar.
Que posso montar minha própria linguagem.
Que posso deixar espaços em branco.
Que posso viver uma história imperfeita, mas verdadeira, feita com as mãos, com o corpo e com alma.
Talvez o que chamamos de ansiedade seja, em muitos casos, apenas essa falta de gesto.
Essa ausência de contato com o tempo das coisas.
Esse esquecimento de que a vida não precisa ser apressada para ser boa.
Ela só precisa ser feita por nós, e não para nós.
Talvez, no fim, tudo se resuma a isso: desligar um pouco o mundo. Ligar as mãos. E confiar no processo.
Com afeto,
Cláudia Gomes



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