
A Arte da Escrita Está Desaparecendo
- Claudia Gomes

- 17 de jul.
- 4 min de leitura
Outro dia, durante um atendimento de Contoterapia, uma mulher me disse com um certo constrangimento que escrever não era algo natural pra ela. Que nunca teve o hábito de colocar sentimentos no papel, e que, mesmo tentando, se via travada, com dificuldade em organizar as ideias, em encontrar as palavras certas, como se dentro dela morasse um idioma que já não sabia mais ser falado.
Fiquei mexida com suas palavras. Não por espanto, mas por reconhecimento. Porque percebi ali algo que já vinha me rondando em silêncio: estamos perdendo, aos poucos, a arte da escrita. E não me refiro apenas à caligrafia bonita ou à letra desenhada com capricho. Mas à capacidade de escrever como gesto de pensamento, de elaboração, de expressão. Escrever como um jeito de existir.
Será que fazemos parte das últimas gerações que aprenderam a escrever longamente à mão, a preencher um caderno com frases completas, com parágrafos inteiros que se entrelaçam como quem borda uma ideia com cuidado?
Lembro que escrever era parte da vida. Fazíamos diários, cartas, bilhetes. Planejávamos textos, escrevíamos rascunhos. E, ao escrever, pensávamos.
Pensávamos devagar. Hoje, vejo tantos jovens e adultos que mal conseguem sustentar um raciocínio por mais de duas ou três frases. Não por falta de inteligência, mas porque não foram mais treinados nessa delicada arte de articular o pensamento com as mãos.
A ciência tem nome para isso. Andei pesquisando sobre o assunto, e descobri que os pesquisadores já perceberam que escrever à mão ativa partes do cérebro que não são ativadas ao digitar. Que há um vínculo entre o movimento da escrita e a memória, a criatividade, a capacidade de aprender e compreender. Um estudo da Universidade de Princeton mostrou que estudantes que escreviam à mão retinham melhor o conteúdo, porque, ao escrever, eram obrigados a pensar no que estavam registrando; não apenas copiar mecanicamente como fazemos ao digitar.
Outro dado que me impressionou: após apenas um ano usando exclusivamente meios digitais, 40% dos estudantes europeus relataram perda de fluência na escrita manual. Isso mesmo, uma habilidade que levou milênios para a humanidade aperfeiçoar pode começar a se apagar em poucos anos, se não for praticada.
No Brasil, professores já alertam que muitos adolescentes não conseguem mais sustentar uma redação com início, meio e fim. As frases são curtas, repetitivas, como se ecoassem os formatos das redes sociais, rápidos, breves, ansiosos. O pensamento vai se encurtando junto com os caracteres.
E o que acontece com a nossa alma quando não temos mais palavras para dizer o que sentimos?
Fico pensando nisso nos meus atendimentos, quando convido alguém a escrever e percebo o quanto esse gesto desarma as defesas. A caneta, nesse contexto, não é uma ferramenta, é um fio. Um fio entre o mundo interno e o externo é o externo. Um fio que, quando se rompe, deixa algo de nós sem tradução.
Escrever é uma forma de se escutar.
Quantas vezes você já se entendeu melhor depois de escrever um desabafo? Quantas vezes, ao escrever, descobriu algo que não sabia que sabia? As palavras são casas onde a experiência pode morar. Se não escrevemos, onde é que as coisas vividas se acomodam?
Claro que não se trata de ser contra a tecnologia. Eu mesma escrevo no computador, uso o celular, me comunico por mensagens todos os dias. O digital é ferramenta e, como tal, pode ser aliada. Mas não podemos deixar que ela tome o lugar de algo mais antigo, mais profundo, mais humano.
Escrever com as mãos é também escrever com o corpo. É dar ao pensamento um ritmo, uma forma, uma materialidade. É um tipo de meditação ativa. Um espaço onde o tempo se alarga e podemos nos encontrar com mais verdade.
E talvez seja isso que esteja desaparecendo: não só a letra manuscrita, mas a presença que ela exige. A paciência. O silêncio. A escuta.
Quantas crianças hoje ainda são convidadas a escrever diários, a escrever cartas para os avós, a criar histórias com papel e lápis de cor? E nós, adultos, quantas vezes por mês, por semana, por ano, escrevemos alguma coisa que não seja digitada, que não seja pública, que não tenha pressa?
Escrever à mão não é apenas tradição. É um ato de cuidado e criação. E talvez seja também um modo de resistência num mundo que corre demais, que simplifica demais, que responde tudo com emojis.
Por isso, nesse texto, não venho com conclusões prontas, mas venho com um convite.
Volte a escrever. Escreva devagar. Escreva sobre você. Sobre o que sente, o que viveu, o que ficou suspenso sem ser dito. Escreva sem pressa, sem obrigação, sem medo da letra feia. Escreva para si, ou para alguém que você ama, ou até mesmo para um desconhecido.
Mas escreva. Escreva como quem fia um fio de si mesma. Porque há sabedorias que só se revelam quando descem pela mão.
E se um dia a arte da escrita de fato desaparecer, que ela desapareça não por desuso, mas porque foi transformada em outra forma de presença. Mas que não se perca em nós essa vontade de dizer o que sentimos com beleza, com cuidado, com verdade.
Porque escrever, minha amiga, ainda é uma forma de se amar, amar o próximo e o mundo.
Com afeto,
Cláudia Gomes









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