Bordado intuitivo: quando a alma conduz a linha
- Claudia Gomes
- 26 de jun.
- 3 min de leitura
Nunca fui muito amiga das réguas. Nem dos moldes exatos.
Gosto mesmo é do caminho que se descobre enquanto se anda. E talvez por isso, quando descobri o bordado intuitivo, algo dentro de mim suspirou aliviado, como quem diz: “Ah… então posso só sentir e bordar?”
Foi assim que comecei. Sem desenho, sem risco, sem pressa. Só eu, a linha e um retalho de tecido que eu mesma pintei com tintas naturais.
No início, confesso que senti um certo estranhamento. Cadê o modelo? Cadê a certeza de que vai ficar bom?
Mas bastou o primeiro ponto para algo mudar. Um ponto levou ao outro. E de repente, eu já não bordava com as mãos, mas com o coração.
O bordado intuitivo me trouxe uma liberdade que eu nem sabia que precisava. Uma liberdade expressiva, silenciosa, quase meditativa. Não havia certo nem errado, e isso me fez soltar o controle. Um presente raro num mundo tão cheio de exigências.
A cada cor escolhida, a cada ponto improvisado, eu me escutava mais.
Não bordava para mostrar. Bordava para sentir.
Era como se o tecido acolhesse tudo aquilo que eu ainda não tinha palavras para dizer.
Mas quero fazer aqui uma pausa importante.
Isso não é uma rejeição ao bordado tradicional. Muito pelo contrário.
Sou encantada com a delicadeza, a técnica, a paciência infinita que exige seguir um gráfico, preencher espaços com perfeição, construir flores ou letras que parecem ter sido desenhadas por fadas.
A beleza do bordado tradicional é incomparável. É arte, é herança, é memória viva.
Mas o bordado intuitivo me ofereceu outra coisa.

Um lugar de acolhimento, onde eu podia ser imperfeita, espontânea, livre.
Hoje, bordo quando estou feliz.
Bordo quando estou triste.
Bordo para agradecer, para acalmar, para lembrar quem sou.
E descobri que, assim como as histórias que escuto e conto, os bordados também têm voz. Eles dizem coisas sobre mim que nem sempre consigo ouvir de outra forma.
Foi só depois de já estar envolvida com essa prática que comecei a entender de onde ela vinha. O bordado intuitivo não tem um criador oficial, tampouco uma origem única. Ele nasceu de muitos gestos dispersos no tempo, como se o próprio tecido da vida fosse nos ensinando a fazer sem medo. Aos poucos, percebi que essa maneira de bordar havia se enraizado num movimento chamado costura lenta.
A costura lenta, que muitos conhecem pelo nome em inglês slow stitching, surgiu como uma resposta amorosa à pressa do mundo. Inspirada por filosofias que valorizam o tempo das coisas, ela propõe um fazer manual desacelerado e atento. Não se trata de bordar para vender, para mostrar ou para cumprir metas. Trata-se de bordar com presença, com escuta, com entrega.
E o bordado se torna uma forma de dar corpo ao que ainda está por dentro.

Em muitas rodas de partilha e espaços terapêuticos, o bordado intuitivo tem sido usado como prática de cuidado. Ele não exige habilidade técnica, nem resultados impecáveis. O que se pede é apenas que você esteja presente, e que aceite o convite de não controlar tudo. Ponto que saiu torto? Pode ficar. Ele também faz parte. Na vida, nem tudo se ajeita com régua. Às vezes é no improviso que mora a beleza.
Há também uma memória ancestral costurada nessa prática. Bordar sempre foi um gesto comunitário. Nossas avós bordavam em roda, entre histórias e silêncios, unindo fios e afetos. O bordado intuitivo, ainda que sem modelo, resgata esse lugar de partilha e de presença.
E existe também algo de sagrado nesse fazer. Não um sagrado religioso, mas um sagrado do corpo e do tempo. O ritmo da agulha, o toque do fio, o tecido entre os dedos… tudo isso nos devolve à experiência do agora. Às vezes, sinto que bordar é orar com as mãos.
Bordar intuitivamente é aceitar não saber como vai ficar no final.
É se entregar ao fluxo.
É descobrir que a criação não precisa de direção exata, ela só precisa de escuta. E que talvez seja justamente nisso que mora a força dessa prática.
E, no fim das contas, o que mais me toca é isso: entre linhas e texturas, descubro que não é só o tecido que se transforma. Sou eu também, que vou me alinhavando.
Com afeto,
Cláudia Gomes
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